Importância do Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa (CCCV) nas relações diplomáticas entre Portugal e Cabo Verde.

Entrevista com Embaixador de Cabo Verde em Portugal, Dr. Eurico Monteiro - Por Elizandra Babrbosa

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Estamos de volta com a nossa rubrica mensal Turismo & Diplomacia. Após as 5 primeiras entrevistas focadas na Diplomacia Económica, vamos agora perceber como tem sido a política externa do país no contexto da Cultura Cabo-verdiana e a importância das relações culturais no amplo desenvolvimento das relações internacionais entre Cabo Verde e o mundo.

Quais os recursos que Cabo Verde dispõe no exterior que permitem a promoção e exportação cultural? E como é que os sucessivos Governos têm apostado na Cultura enquanto elemento coadjuvante da política externa, através da formulação e da sistematização de uma Diplomacia Cultural?

Estas questões nortearão as próximas entrevistas, que visam também dar um enfoque na Cultura como elemento chave da promoção turística nacional.

Vamos nesta entrevista conversar com o Embaixador de Cabo Verde em Portugal, Dr. Eurico Monteiro, sobre a importância do Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa (CCCV) nas relações diplomáticas entre Portugal e Cabo Verde.

Contextualização:

Cabo Verde é o primeiro país africano a lançar oficialmente um Centro Cultural na Europa: Cabo Verde em Lisboa.

Este é também o primeiro Centro Cultural de Cabo Verde na Diáspora.

Portugal é o país europeu que abriga a maior comunidade Crioula, sendo Lisboa considerada a 11° ilha de Cabo Verde.

O Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa (CCCV), inaugurada a 6 de julho de 2019 pelo Governo de Cabo Verde em parceria com o Governo de Portugal, visa ser um ponto de disseminação da Cultura Cabo-verdiana e um espaço privilegiado de internacionalização da oferta cultural do país e das suas comunidades emigradas.

Por outro lado, este Centro Cultural reforça também a estratégia diplomática do país, visando o incremento das relações externas por via da Cultura, a Diplomacia Cultural.

Esta estratégia beneficia directamente o Turismo, pela promoção do país usando as suas maiores bandeiras, a Cultura e a História.

Como surgiu este projecto e como foi o percurso de consolidação do primeiro Centro Cultural Africano na Europa?

O sonho é antigo e até algumas iniciativas tinham sido concretizadas nesse sentido, em parceria com a Camara Municipal de Lisboa para a disponibilização de espaços físicos para esse efeito, de criação de um Centro Cultural. Lisboa (no seu sentido mais amplo) era o lugar ideal para isso, pela história e pela expressão da nossa comunidade, com um grande dinamismo cultural. Foram iniciativas meritórias e que muito valorizamos por representarem um esforço para a concretização da ideia. No entanto, quis ser mais pragmático e realista, devolvendo as instalações prometidas e que nos tinham sido entregues mesmo antes de formalização da cedência (pois os encargos que elas implicavam era incomportáveis), e intensificando a procura de edifícios (que fazem parte do património do Município de Lisboa) mais adequados à nossa ideia de Projecto e à capacidade material e financeira de Cabo Verde, mas também situados em zonas de Lisboa que constituíssem uma referência para a nossa comunidade. Encontramos em São Bento o tal edifício e reunia todas condições para o efeito, mas necessitando de algumas obras de reparação e de adaptação ao projeto cultural. A CML, na pessoa do seu Presidente Dr. Fernando Medina, foi inexcedível no interesse e no apoio.

Em estreita articulação com o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas – com envolvimento directo do próprio Ministro Abraão Vicente – esboçou-se de forma muito clara o que devia ser feito nas instalações para que elas acomodassem a ideia do projecto cultural preconizado pelo Estado de Cabo Verde. Queríamos que o Centro transpirasse Cabo Verde, mas não de forma espaventosa, antes discreta e serena, e que ao mesmo tempo anunciasse a cultura cabo-verdiana como realidade sempre aberta ao mundo, sem receios e sem complexos, num processo dinâmico de afirmação e crescimento. É um espaço de cultura cabo-verdiana, mas é também um espaço de cultura, sem mais e sem mas! A nossa identidade cultural é muito forte, vincada, mas não por ser fechada ao mundo com quatro cadeados, antes pelo contrário!

O Centro Cultural de Cabo Verde teve a sorte de contar ainda com o apoio claro e consistente do Primeiro Ministro Ulisses Correia e Silva, do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Ministro das Finanças. Sem esse envolvimento intenso e permanente seria impossível materializar-se a ideia, o tal sonho antigo.

Quais as linhas orientadoras para a internacionalização da oferta cultural Cabo-verdiana através deste centro cultural?

O CCCV tem como fins actividades de promoção e realização de eventos de divulgação e valorização de bens e serviços culturais nacionais e que prestigiem a imagem do país nas suas mais variadas dimensões, favorecendo a participação dos artistas, profissionais e demais agentes da cultura e da sociedade civil e promovendo o diálogo e intercâmbio culturais com agentes de outros países e realidades, com especial destaque para os países da CPLP. O CCCV orienta-se nas suas actividades, assim, pelos princípios de interculturalidade e da diversidade cultural, estabelecendo a sua programação em estreita articulação com os serviços centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comunidades e, especialmente, com o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, e demais serviços do Estado de Cabo Verde com intervenção relevante em matéria das suas atribuições.

A programação das actividades do CCCV, entre vários outros itens, deve privilegiar às áreas da língua materna, língua oficial, música tradicional e contemporânea, literatura, artes plásticas, artesanato, artes cénicas, audiovisual, comunicações e debates de temas culturais e científicos.

Assim, em jeito de conclusão, a gestão do CCCV deve assegurar, a um só tempo, (1) afirmação da cultura cabo-verdiana numa dimensão moderna e tecnicamente mais sofisticada, aberta ao mundo e num diálogo permanente com outros valores, especialmente do mundo da lusofonia, (2) e um espaço de acolhimento e promoção de iniciativas relevantes de agentes culturais da  comunidade cabo-verdiana em Portugal, funcionando neste sentido também como um centro de oportunidades; (3) o acolhimento de produtos e eventos culturais de relevante qualidade e que se inscrevam no âmbito do programa anual de promoção da interculturalidade.

Uma palavra final nesta matéria para realçar duas ideias básicas: a primeira, o Centro Cultural não pretende focalizar a sua ação na réplica de eventos culturais que são realizados extensa e intensamente pela comunidade cabo-verdiana de uma forma geral, e com muito mérito, mas adotar neste segmento uma função de apoio e de complementaridade; a segunda, é utilizar como critério de acolhimento de iniciativas culturais a qualidade, sempre a qualidade, elevando a fasquia de exigência aos produtores de cultura! Só com uma grande qualidade (designadamente singularidade e técnica) promovemos a imagem e prestígio de Cabo Verde, crescemos e ganhamos outros mercados, transformando a cultura cada vez mais num factor decisivo para o crescimento e desenvolvimento do país.

Qual o seu impacto na promoção turística nacional, atendendo ao facto de Portugal ser um dos maiores emissores do Turismo para Cabo Verde?

A cultura cabo-verdiana tem um impacto enorme na promoção turística. O que os nossos artistas da música (autores, compositores, cantores e instrumentistas) fizeram pela economia do país, particularmente para o turismo, é de uma importância decisiva. Dão a conhecer o país e alimentam o desejo de o conhecer melhor. E transmitem a imagem do que somos, um país vivo, alegre, sensível, pacífico, amante da música, da literatura, da dança e, enfim, da cultura. A música ora melancólica, amorosa, pungente, ora solta, rebelde, irrequieta e alegre, transporta os ouvintes para o imaginário de um país que urge conhecer. A música cabo-verdiana quando não desperta paixão, desperta ao menos curiosidade. E fica-se a saber que é um país estável, tranquilo, democrático, com respeito escrupuloso pelos direitos e liberdades fundamentais! O que dá segurança, incute confiança! Mas a nossa própria música dá conta também da nossa diversidade, do país e das suas gentes!

O Centro Cultural promoveu e acolheu a comemoração da Morna como Património da Humanidade e travestiu-se completamente da morna, de “cabeça aos pés”, com letras das grandes mornas cobrindo todas as paredes, expondo fotografias, trajes e outros objetos afins, e revelando a discografia mais antiga. Uma exposição muito visitada! Na inauguração celebrou a Morna com uma grande serenata na via pública, acompanhada e seguida por milhares de pessoas.

E temos realizado eventos com significativo impacto, em vários domínios, promovendo autores cabo-verdianos na música, dança, artes plásticas, artesanato, literatura, teatro, audiovisual, etc. E temos também acolhido iniciativas no quadro da lusofonia!

Ainda em relação ao Turismo, Portugal tem vivido os seus melhores anos nesse domínio, estando classificado como um dos melhores destinos turísticos do mundo. Apesar da pandemia, as autoridades portuguesas têm trabalhado em manter a qualidade da sua oferta e preparar para a retoma turística enquadrada com as novas tendências.

Como é que o Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa poderá aproveitar dos turistas que visitam Portugal para a promoção do destino turístico Cabo Verde?

Estávamos no bom caminho; a pandemia obrigou a reconfigurar quase tudo, restringindo a presença física e incrementando o formato digital, que tem as suas limitações no segmento da cultura, como é óbvio. O caminho que devemos seguir para promover Cabo Verde como destino turístico junto de turistas que visitam Portugal é ter programação e eventos de qualidade que possam ser atrativos. Não é tarefa fácil porque Portugal tem uma oferta cultural de grande relevo, especialmente no domínio do património material histórico e cultural. Por isso a nossa programação tem que ser concebida tendo em conta essa realidade e intervindo nos segmentos em que somos fortes, projetando a imagem de um pequeno país  arquipelágico no meio do atlântico, vizinho do mundo inteiro porque de três continentes, portador de uma cultura própria, mas universalista,  síntese do encontro de civilizações diversas, estável, pacífico, democrático, seguro, amigo de turismo e de investimentos e … belo, não tendo o que tem Portugal, mas tendo muita coisa que em lugar algum do mundo se pode encontrar. E tem uma história de ponte antiga entre continentes e civilizações, configurando uma boa parte do mundo moderno, tal como hoje o conhecemos! É uma narrativa que importa sublinhar! Já está tudo trabalhado neste aspecto? Não, falta muito ainda pois que é o resultado de uma cmultidisciplinar, que essa pandemia não tem ajudado a concretizar. Mas ali chegaremos de certeza.

Quais as estratégias para que a Morna a Património Cultural Imaterial da Humanidade, seja um recurso estratégico e fundamental para a nossa Diplomacia Cultural?

O Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas tem um programa consistente nesta área da morna, não só pelas obrigações que decorrem da sua qualificação como património cultural imaterial da humanidade, mas também pela importância que reveste para a cultura cabo-verdiana, no país, na diáspora e no mundo, que vai para além do Plano de Salvaguarda da Morna.  Sendo a morna o nosso produto cultural mais conhecido no mundo, incontornável se torna a sua utilização como ferramenta da diplomacia cultural e económica. A morna e os grandes nomes, de ontem e de hoje, provavelmente como expoentes máximos a Cesária e o Eugénio Tavares, são factores de promoção da imagem do país no exterior!  Mas a própria diplomacia cultural é, no plano das relações externas, instrumental à diplomacia económica.  Eventos e narrativas, são dois elementos chaves na construção do ambiente favorável! Dar a conhecer ao país através de um produto de qualidade que congrega milhões de adeptos, é promover o país produtor, logo, atrair turistas e investidores por boas razões. Quando ao produto juntamos uma narrativa interessante, o produto ganha outra qualidade! Mas atrair é apenas a primeira fase, de demonstração de interesse, de querer conhecer, pois reter turistas e investidores (a segunda fase decisiva) depende da nossa capacidade interna de resposta às expectativas que criámos com a atração.

Para finalizar, como considera que este Centro Cultural poderá ensinar os Portugueses o que é Cabo Verde, suas tradições e suas gentes. Não apenas do ponto de vista da promoção turística, mas para a promoção da irmandade e do sentimento de pertença da cultura e do povo Crioulo, em Portugal?

De várias maneiras e todas elas têm a ver com o que dissemos antes. O Centro é um espaço que respira Cabo Verde, de forma discreta, mas segura. O seu ambiente exterior, ornamentado por uma gigantesca pintura de um grupo de batucadeiras, e interior transmitem Cabo Verde. As paredes, as peças expostas e os adereços dizem isso mesmo. A cafetaria e a biblioteca falam de Cabo Verde. Depois, o seu programa cultural reflete intensamente Cabo Verde, em todas as suas dimensões, territorial da costa ocidental africana e diaspórica nos quatro cantos do mundo.

Depois pelos eventos que promove e realiza, na sua identidade e qualidade. E pela narrativa associada. Os eventos e narrativas têm que ser o prenúncio do que é Cabo Verde. O que fizermos e a maneira como o fizermos é importante para os fins que prosseguimos. Mas não é um Cabo Verde congelado num tempo, numa perspectiva estática, mas Cabo Verde como sempre se apresentou ao longo da sua história, na sua relação com Portugal antes e depois da independência, na sua relação com os outros países africanos de língua oficial portuguesa, com o Brasil e Timor Leste, mas Cabo Verde também no mundo. Mas não falo de relações entre Estados, mas entre pessoas, entre povos. As relações de amizade, solidariedade e cumplicidade que existem entre pessoas, muitas vezes cimentadas com laços de sangue ao logo dos tempos. Vivemos no mundo não de forma esporádica, mas como nosso modo de vida, sem esquecer que somos cabo-verdianos, mesmo que de segunda ou terceira geração, não importa, para lá do papel de identificação que trazemos na carteira. O nosso Centro Cultural deve refletir isso, e isso é bom, é nossa identidade que se revela sem complexos!

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