Cinema como ferramenta de promoção do património africano

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Contextualização:

Conhecer a África pelos africanos poderia ampliar nosso entendimento, revertendo imagens estereotipadas de representação e contribuindo para um imaginário mais amplo sobre o continente. Poderia abrir-nos também para novas experiências e para a troca de vivências que poderiam nos mostrar novos meios de produção e distribuição de cinema que vão para além do modelo hollywoodiano. (Janaina Damasceno)

Os veículos de comunicação representam um papel imprescindível na construção de identidades culturais e na promoção do património de um país. A televisão, o rádio e o cinema, como produtos da indústria cultural, fornecem modelos sociais que permitem a reflexão dos valores e das crenças que constituem uma cultura.

Em relação ao cinema, o seu papel é estratégico na afirmação de identidades culturais e na promoção do património de um povo, isto porque, a produção cinematográfica, independente do seu objetivo de informação ou de entretenimento, é imbuída pelo contexto cultural onde é produzida.

O cinema em África pode ser um grande  agente na construção de uma imagem positiva do continente, onde o seu património cultural, histórico, natural e humano é salvaguardado e disseminado de forma coerente, trazendo um novo paradigma na comunicação do continente, com uma narrativa que valoriza a riqueza patrimonial das nações africanas, quer ao nível humano, material ou imaterial.

A Turimagazine tem em curso a elaboração de um estudo sobre a relação entre o Cinema, o Património e o Turismo.

Neste sentido, visamos num primeiro momento, recolher subsídios de personalidades do cinema sobre o papel desta indústria na construção de identidades culturais e na promoção do património africano.

Opinião dos Filmmakers

Welket Bungué

Nascido em Xitole (Guiné-Bissau, 7 de Fevereiro de 1988), é de etnia balanta, é internacionalmente conhecido pelo seu trabalho como ator e realizador. Filho de Paulo T. Bungué, engenheiro florestal especializado na cultura do cajueiro, conhecedor exímio do território florestal guineense e filho de Segunda N’cabna, ex-militar e aposentada da Guarda Nacional Guineense. Teve como referência materna Maria de Fátima B. Alatrache, que exerceu funções muitos anos como professora na Guiné-Bissau. Filho de emigrantes, Welket iniciou a sua formação artística em 2005. É licenciado em Teatro no ramo de Atores (ESTC/Lisboa) e pós-graduado em Performance (UniRio/RJ). É membro permanente da Academia Portuguesa de Cinema desde 2015. Em 2012 foi distinguido com “Prémio de Melhor Ator” pela sua interpretação em ‘Mütter’. Em 2019 produziu mais de seis curtas-metragens tais como ‘Intervenção Jah’, ‘É Bom Te Conhecer’ ou ‘Corre Quem Pode, Dança quem Aguenta’ e os seus filmes têm circulado internacionalmente por inúmeros festivais de cinema tais como o Africlap (França), Zanzibar Intl. Film Fest., Afrikamera (Berlim), IndieLisboa, DocLisboa, Fest. Intl. de Cinema do Rio de Janeiro ou o Stockholm Dansfilmfestival. Welket realizou as curtas-metragens ‘Eu Não Sou Pilatus'(2019), ‘Arriaga'(2019) e ‘Bastien’(2016) no qual foi distinguido com os prémios “Melhor Ator” e “Melhor Primeira Obra” nos prémios Shortcutz 2017 em Viseu e Ovar respetivamente. Ainda em 2019 foi distinguido com o prémio “Angela Award – On The Road” no Subtitle Festival em Kilkenny, Irlanda dirigido por Richard Cook. Welket Bungué integrou o elenco de ‘Joaquim’ (Comp. Intl. Berlinale 2017), de Marcelo Gomes, ‘Corpo Elétrico’ (IFFR 2017), de Marcelo Caetano, ‘Kaminey’, de Vishaal Bahardwaj, ‘Cartas da Guerra’ (Comp. Intl. Berlinale 2016), de Ivo M. Ferreira e protagoniza Franz Biberkopf em ‘Berlin Alexanderplatz’, o novo filme do realizador afegão-alemão Burhan Qurbani (‘We Are You, We Are Strong’). Desde 2016 que trabalha regularmente com a companhia de teatro Mala Voadora (Portugal). É co-fundador da produtora KUSSA, faz locução para entidades internacionais, desenvolve Escrita Dramática, Argumento de Cinema, Performances e Teatro. Atualmente vive em Berlim.

Qual a sua opinião do cinema contemporâneo produzido por afrodescendentes da Diáspora com uma visão afrocentrada? 

Esta pergunta é uma pergunta que implica alguma reflexão e esta pergunta também está na base do meu trabalho em continuidade, isto é, acredito que se possa falar de um cinema afro-lusófono, que se centra sobretudo na construção de novas narrativas afro-centradas e que tem como objetivo refletir, reescrever aquilo que é o posicionamento das diásporas negras africanas quer na Europa mas também em específico em Portugal como é o meu caso e é o caso de outros realizadores que correspondem ao mesmo perfil de background que eu tenho. E este é um cinema que sobretudo visa empoderar os seus atores, isto é, os corpos que são representados e que estão em representação nessas peças fílmicas, mas também a comunidade a quem esses filmes se propõem chegar, comunicar e também sensibilizar através do fazer artístico. Esse cinema pode ser visto nas obras da Vanessa Fernandes, da Filipa César, da Lolo Arzik, da Ana Tica, e, por exemplo, da performer Grada Kilomba, que embora ela trabalhe com outra linguagem audiovisual que não é especificamente cinema, mas também tem isso muito presente na filmografia dela. E naturalmente que esta lógica de pensamento e esta lógica de execução artística são coisas que favorecem bastante a proximidade ao continente africano, às suas gentes e às suas várias diásporas, até porque mostra uma paisagem humana isto é um retrato imagético e de um imaginário muito mais empoderador e carregado de esperança por aquilo que aí vem. Então este é, sobretudo o conceito ou o movimento perante o cinema enquanto forma de expressão artística que eu acredito que irá com certeza de alguma maneira ajudar a despontar um futuro mais promissor para o cinema que é feito pelos autores que correspondem à diáspora africana fora do continente africano. Bom, falando assim, não podemos esquecer que no continente africano há todo um movimento também filmográfico que se torna específico em função do território de onde vem. O Gana tem um tipo de filmografia que mal ou bem se diferencia do nigeriano, mas também se diferencia do angolano e por aí vai, mas há uma coisa que eles têm em comum que é este resgate daquilo que são os valores imarcescíveis dos seus autores, da sua comunidade e também daquilo que é as referências que estes novos cineastas têm, que não são mais referências canonizantes e que têm origem naquilo que são as reproduções europeias. Neste momento, a coisa está deslocada para um outro referencial que é mais afro-centrado e é isto que tento dizer quando vos falo de um cinema afro-lusófono no caso dos autores de origem africana que falam a língua portuguesa e que por assim dizer, fazem um tipo de cinema que é possível de transitar em todos os territórios onde se entenda a língua portuguesa.

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