Museu da Resistência contributo para 84 anos da História Contemporânea

José Soares - Historiador/Investigador & Deputado “Fidjus Sto Amaro e de Tarrafal”

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O Museu de Resistência é um tesouro com muitas histórias, como bem diz o Historiador/Investigador, José Soares, contributo para 84 anos da História Contemporânea, da qual nos cabe a honra de preservar esse tesouro e torná-lo um lugar de reflexão e de visitas turísticas, de conhecimento da história de Cabo Verde e Universal.

A semelhança do Campo de Concentração Auschwitz na Polónia que já foi visitada por mais de 30 milhões de pessoas em todo mundo, também podemos seguir essa experiência e reestruturar e requalificar o Museu da Resistência para transformá-lo num produto turístico de alto valor para a Humanidade.

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José Soares, Historiador/ Investigador dá-nos a oportunidade de conhecermos a história deste tesouro “escondido” no Tarrafal, na Ilha de Santiago.

 – Ex-Campo de Concentração do Tarrafal (29/10/1936 – 29/10/2020) –

Contributo para 84 anos História Contemporânea!

– Da sua criação ao Desembarque dos Presos no Tarrafal –

1- Criação da Prisão – Decreto-Lei número 26.539 de 23 de Abril de 1936

O Ex-Campo de Concentração do Tarrafal ou “Colónia Penal” foi criada em 1936, pelo Decreto-Lei número 26.539 de 23 de Abril de 1936, no âmbito da reorganização dos serviços prisionais. Esta prisão foi concebida, pelo menos na teoria, dentro da ótica dos diferentes tipos dos estabelecimentos prisionais. Foi um estabelecimento destinado ao cumprimento de penas, na vertente de prisões especiais, do Decreto-Lei número 26.643 de 28 de Maio de 1936. Mas também, era destinada aos presos políticos e sociais que deviam cumprir o desterro ou que, tendo estado internados em outro estabelecimento prisional, se haviam mostrado refratários à disciplina deste estabelecimento ou como elementos perniciosos para outros reclusos. Ainda se podiam internar nessa prisão os condenados a pena maior por crimes praticados com fins políticos, os presos preventivos e, finalmente, os presos por crime de rebelião.

2- As instalações do Ex-Campo de Concentração

Podemos dividir a instalação do Campo de Concentração do Tarrafal em duas fases distintas. A primeira fase, correspondente ao período de 1936 a1938, com a chegada dos primeiros 150 presos antifascistas de diversas profissões: camponeses, operários, soldados, marinheiros das revoltas dos navios Dão, Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque, estudantes, intelectuais, etc. A segunda fase compreende a época das construções dos primeiros pavilhões de pedra e a chegada do médico Esmeraldo Pais Prata, até ao seu encerramento em 1954. Na primeira fase, as primeiras instalações do campo eram tendas de lona sem condições mínimas de habitabilidade e de higiene.

O espaço envolvente do campo era limitado por arame farpado em toda a sua volta, de modo a impedir qualquer contacto com o exterior. O único edifício de pedra nesta primeira fase era a cozinha que, entretanto, não estava completamente construída. Ainda nesta fase, à esquerda da porta principal da entrada do campo, ficava a secretaria, um barracão de madeira onde se tratava de todos os expedientes administrativos do Campo. O armazém constituiu também um dos primeiros edifícios construídos em madeira no campo e ficava um pouco mais distante do portão principal que viria a constituir a futura avenida das acácias.

3- Percurso das viagens e formalidades até ao “Campo”

Na primeira leva, na madrugada de 18 de Outubro de 1936, os prisioneiros saíram da antiga Penitenciária de Lisboa, sendo conduzidos em carros celulares em direção ao cais da Rocha do Conde de Óbidos, na margem do rio Tejo. Dela faziam parte os primeiros 34 marinheiros responsáveis pela revolta dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão. Para além destes indivíduos acusados de revoltosos, contavam-se também alguns reclusos das prisões de Caxias, do Aljube, de Peniche e alguns portugueses residentes em Espanha que tinham sido feitos prisioneiros aquando da Guerra Civil espanhola e expatriados por suspeita de simpatia pelos republicanos de Espanha. No Porto de Lisboa estava o navio Luanda, fretado pelo Governo português para os conduzir ao degredo. Para além deste navio, outros eram utilizados para a deportação dos inimigos de Salazar, tais como, os navios Lourenço Marques, Serpa Pinto e Guiné. De igual modo, seriam estas embarcações (principalmente o Guiné) que serviriam como meio de transporte no regresso dos reclusos para Portugal, depois da sua pena cumprida no Campo de Concentração do Tarrafal. Juntamente com os reclusos seguiam os guardas, os directores, a equipa médica, enfim, todo o quadro do pessoal necessário para o funcionamento de uma prisão.

Durante a viagem em direção ao degredo no Campo de Concentração do Tarrafal, acontecia por vezes que os prisioneiros, certamente para se encorajarem mutuamente a fim de aguentarem os tempos difíceis que anteviam, entoavam canções revolucionárias sobre a deportação arbitrária e criminosa, a Guerra Civil, a situação interna do Estado Novo, etc. Como resposta, para além do tratamento continuado de injustiças, os elementos das brigadas da PVDE e da GNR, encarregados de os vigiar e punir, se necessário, respondiam-lhes com expressões de intimidação como: “ou se calam já ou mando montar mangueiras com água a ferver”, “se for preciso, estoiro-lhes os miolos” ou “garanto-lhes que não hesitarei em os fuzilar a todos se, a bordo, durante a viagem, notar o mais pequeno sinal de insubordinação”.

No percurso da prisão de Angra do Heroísmo até ao Campo de Concentração, os deportados eram vítimas das provocações e dos abusos por parte dos elementos das forças de segurança que os acompanhavam, quer da GNR, quer da PVDE. Por outro lado, as condições de higiene em que eram transportados eram péssimas. Pedro Soares, um dos sobreviventes do Tarrafal, diz na obra Tarrafal, Campo da Morte Lenta, que seguiam encafuados nos porões do navio, com as vigias fechadas, num ambiente irrespirável, cheirando a tinta do cavername do navio, misturada com o cheiro do gado e do café que vinha das Colónias. Só depois de onze dias de viagem, a 29 de Outubro de 1936, entre mar e ventos, os primeiros habitantes do Campo de Concentração do Tarrafal aportaram à Baía do Tarrafal.

Foi assim que, chegaram então à Baía de Tarrafal 152 reclusos entre os quais 34 marinheiros da Organização Revolucionária da Armada, grupo muito próximo do Partido Comunista Português, alguns revoltosos de 8 de Setembro de 1936, alguns presos transferidos de prisões políticas do continente, entre eles os grevistas anarco-sindicalistas de 18 de Janeiro de 1934, cerca de 50 presos da Fortaleza da Angra do Heroísmo e ainda os repatriados da Guerra Civil espanhola. Por vezes, os navios faziam primeiramente a escala na ilha de S. Vicente, no Porto Grande, antes de aportarem ao cais do Tarrafal.

4- O desembarque no Tarrafal

Foi em “fila indiana, formação em que os reclusos eram colocados em todos os momentos formais, quer dentro das prisões, quer em outras situações fora delas, que este primeiro grupo de deportados desembarcou em Cabo Verde. Com o apoio de pequenas embarcações que serviam como ganha-pão de muitos dos naturais do Tarrafal, fez-se o desembarque para o antigo cais da baía do Tarrafal. Depois de terem desembarcado, sob as ordens dos guardas, formaram pares de dois e percorreram cerca de 2,5 km a pé, até à “aldeia da Morte” como passou a ser conhecida, entre os prisioneiros, a prisão do Tarrafal.

As razões das deportações para Cabo Verde, em particular para o Tarrafal, eram quanto a nós arbitrárias e injustas, sem razão de ser, mas o governo salazarista achava-as pertinentes. Ou seja, esses reclusos já tinham cumprido o seu tempo de condenação em Portugal. É o caso de Manuel Alpedrinha, Júlio Fogaça, Fernando Quirino, Alfredo Candeia, Pedro Soares, Acácio José da Costa.

Segundo as suas biografias prisionais, e os próprios testemunhos dos presos que estiveram no Tarrafal, esses já tinham cumprido as suas penas em Portugal, nas prisões de Caxias, de Peniche, e do Forte da Angra do Heroísmo. Para além desses, até Março de 1945, encontravam-se no Tarrafal 38 reclusos, com as suas penas já cumpridas. Neste total, 10 presos (26,31%) tiveram 48 meses de tempo de condenação, 6 (15,78%) tiveram 24 meses, e 5 (13, 15%) 23 meses. Ainda neste total, 3 reclusos (7,89%) tiveram 85 meses de prisão, para além do tempo de condenação que lhes era estipulado pelo Tribunal Especial Militar.

Até à data acima referida, e com a guerra na sua fase final, encontravam-se no Tarrafal 42 presos preventivos aguardando julgamento, pois não tinham sequer sido julgados pelo Tribunal Especial Militar. Desses 42 reclusos, 6 (14,28%) eram presos preventivos, sem julgamento, há 100 meses e 5 (11,9%9) há 99 meses. Mas contudo, foram enviados para o Tarrafal sem a certeza de conseguirem voltar. Pendia sobre as suas cabeças a máxima de Dante: “Perdei toda a esperança, vós que entrais”.

Para além desses dois factos referenciados, a PIDE, tutelada pelo Ministério do Interior, também enviou para o Tarrafal 58 antifascistas sem terem cometido quaisquer delitos. Ou seja, no universo de 360 reclusos que passaram pelo Campo de Concentração do Tarrafal entre 29 de Outubro de 1936 (data da chegada da primeira grande leva) e 3 de Maio de 1949 (data da entrada do último recluso no Campo) e nas dezanove levas, 58 reclusos eram presos preventivos sem processo e sem culpa formada. Desses 58, 14 (21,13%) estiveram detidos 27 meses, 4 (6,9%), 46 meses e também 4 (6,9%), 48 meses.

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